Os tropeiros visto pelos estranjeiros no ano 1850
MEMÓRIAS DE UM COLONO NO BRASIL
BIBLIOTECA HISTÓRICA BRASILEIRA
Direção de Rubens Borba de Moraes
Thomas Davatz
Memórias de um
Colono no Brasil
(1850)
As estradas do Brasil, salvo em alguns trechos, são péssimas.
Em quase toda parte falta qualquer espécie de calçamento
ou mesmo de saibro. Constam apenas de terra simples, sem
nenhum benefício. No tempo seco ficam esburacadas em muitos
pontos, devido aos inúmeros muares que as percorrem em todos
os sentidos, e em épocas de chuva se enchem tanto de água e de
lama, que os animais ficam mergulhados até o ventre e, enquanto
tratam de caminhar com três patas, procuram, com a quarta,
encontrar algum ponto de apoio seguro. Nesses lugares o mais
indicado é dar a rédea aos animais, que acabam por encontrar
o melhor caminho. Dada a conformação típica do solo, que
acima descrevemos, e por conseguinte a direção tão -vária dos
vales, as estradas seguem aqui, tanto quanto possível, a linha reta,
rumo ao ponto de destino, formando ladeiras muito íngremes
para cima como para baixo. Nesses lugares, muitas vezes, existem
agueiros de três, quatro e mais pés de profundidade por
outro tanto de largura, formados na época das chuvas. Ainda
não se cogitou, no interior do Brasil, em melhorar de qualquer
forma essas estradas. Acontece, por vezes, que uma grande
árvore arrebatada pelo vento, cai através da estrada e é abandonada
onde ficou, sem que ninguém se mova para afastar esse
tropeço. As próprias bestas têm de fazer a volta pelo mato para
prosseguirem a caminhada. Mesmo nas ruas das cidades encontram-
se algumas vezes buracos enormes e perto das vias centrais
cresce o mato livremente.
É fácil prever que nessas estradas não se encontram estalagens
e hospedarias como as da Europa. Nas cidades maiores o
viajante pode naturalmente encontrar um aposento sofrível;
nunca, porém, qualquer coisa de comparável à comodidade que
proporciona aqui qualquer estalagem rural. Tais cidades são,
porém, muito poucas na distância que vai de Santos a Ibicaba e
que se percorre em cinquenta horas no mínimo. O total não
excede mesmo de três, Santos inclusive. Além dessas cidades
contam-se ao longo dessa jornada cinco ou seis vendas apresentáveis;
as demais, que surgem a cada duas léguas, são míseros
barracões, onde só há alguma coisa quente para comer quando
se chega à hora das refeições e quando não são muitos os candidatos.
Salvo neste último caso, é possível ainda dormir nessas
vendas em quarto independente, mas o viajante deve deitar-se
diretamente no chão ou sobre esteiras, na melhor das hipóteses.
Quando se viaja em grandes grupos é indispensável levar o alimento
consigo e dispor-se a permanecer fora dessas vendas.
Para semelhantes caravanas existem ao lado das vendas os chamados
ranchos, isto é cobertas descansando apenas sobre estacas.
Raramente se encontra algum desses ranchos que seja dotado
de paredes espessas de taipa, formando um abrigo contra o
vento e a chuva. É nos ranchos que os tropeiros, ao termo de
todo um dia de viagem, guardam as mercadorias e selas (tudo é
carregado pelos animais) e cozinham, comem e dormem, uns ao
lado dos outros. Quanto aos animais, esses são deixados nos
pastos que existem quase sempre pelas proximidades. Esses
tropeiros monopolizam no Brasil todo o tráfego por terra. Um
tropeiro dirige e vigia doze mulas (um lote), dez ou onze das
quais conduzem carga; as outras servem como reserva ou de
montaria para o tropeiro. Quando a tropa é grande, consta
então de vários (dez, doze, quinze). Um dos condutores é nesses casos o tropeiro-mestre.
Fonte: BIBLIOTECA HISTÓRICA BRASILEIRA